BALANCEIA MEU BATALHÃO
Considerações*

Élsie Monteiro da Costa**

        O presente relato está voltado à atuação das pessoas que formam os grupos de Congada existentes em Atibaia. De que forma são organizadas as manifestações, ou seja, como se esboça e configura a música, a dança, a dramaturgia, na performance de seus festejo e religiosidade; e quais as fontes cotidianas geradoras de características expressivas, as funções significações, os porquês e para quês. O que parte dos congadeiros norteou este estudo. A necessidade de realizar este documento veio quando, num desabafo, a esposa do Mestre Violeiro da Congada Verde manifestou sua indignação diante da proibição dos festejos tradicionais em que participa. Emocionada, falou da sua impossibilidade de escrever sobre o que estava acontecendo e o que estava sentindo. Consolidava-se nesse instante a necessidade de somar esforços de forma que pudesse fortalecer a "voz" daqueles que vivem e resistem pela preservação da tradição, e pelo direito pleno de livre-expressão.

Vista Parcial do Lançamento do Universo Poético-Musical dos Congadeiros de Atibaia

        Pelo fato de residir desde criança na cidade de Atibaia, em aproximando contato com as congadas, ao longo da vida, o estudo se delineou de formas diferentes em cada época, de acordo com o momento ou a oportunidade de observar determinadas características. Pelo contato, a pesquisa caracterizou-se tanto como estudo de campo quanto pelo de caso. Foram utilizados variados meios para a compreensão das manifestações: conversas com integrandes dos grupos, observação participante na convivência direta em rezas, danças, ritos relacionados à morte, reuniões de finalidades diversas, nos locais de trabalho, etc.

        Documentos em vídeo VHS, fotos e registros sonoros gravações em K7 e DAT, posteriormente digitalizados em CDs, funcionaram como elementos para a reflexão, levantando alguns focos de observação. Em primeiro plano estão as gravações, que constituem levantamento prévio de cantiga, pontos, rezas cantadas, Embaixadas e histórias. Esses documentos sonoros, por conter vozes de muitos congadeiros, alguns falecidos, têm importância vital entre os descendentes. Salvo observações e registros, as fotos complementaram a documentação. Função mais imediata: a de atender a vontade dos grupos de preservar a lemrança de familiares e amigos, e o que toca como importante para cada pessoa. A edição, tanto da documentação sonora como dos vídeos, para distribuição entre a comunidade, objetivaram a troca de informações, manter ou retomar aspectos da cultura.

Élsie Monteiro da Costa (ao centro) no lançamento do projeto Universo Poético-Musical dos Congadeiros de Atibaia

        Atenção especial foi dada à vida cotidiana, com observações, coletas de imagens e contatos na vivência do trabalho. Houve condições de realizar registros em zona rural (a derrubada de um milharal), e na urbana (construção civil). O presente estudo não se ateve a um único ponto, mas buscou estabelecer relações entre linguagens e significados, cotidiano e rito público. Deu-se atenção ao que está por trás, no entorno, subsolo, nas entrelinhas, ou ao que normalmente passa por irrelevante. Manter poror abertos, ouvidos ligados e olhos atentos.

        O primeiro contato com as congadas foi como observador e, posteriormente vim a ocupar posição na esfera oficial, junto à Prefeitura (1980). No cargo de chefia, setor de Cultura da Prefeitura (de 1993 a 1996), tinha como diretriz a pertinência da "voz congadeira", abrindo-se uma porta para posterior participação, mais próxima desse universo. Fui acolhida por um dos grupos, o que possibilitou percepção mais aprogundada quanto a vários aspectos referentes à dança, ao canto, às obrigações, aos ritos, etc.

Livro Balanceia Meu Batalhão

        A permanência como observador, e, logo depois, de corpo presente, em ambas as esferas, a popular e a oficia, contribuiu para que se cumprissem etapas de vários anos. Entrar de imediato na congada seria uma invasão, nada bom para o estudo, nem para os batalhões. Ser aceita pelo grupo foi importante, num envolvimento pleno de lealdade. Fato que se consolidou através de ações concretas, explícitas, pacientemente ao longo do tempo.

        Na qualidade de pesquisador residente nesse espaço, senti vantagens e desvantagens. Como vantagens, a percepção de sutilezas e detalhes que, de outra forma dificilmente seriam notados, poder ser intérprete de um testemunho para outros estudiosos. Como desvantagem, a interferência da sociedade local no transcurso da pesquisa. O acesso a informações, em alguns momentos, foi mais delicado. Com tal panorama, priorizou-se o mergulho na esfera popular.

        No que disse, o que se pretende é instigar aqueles que se interessam pelas manifestações congadeiras. Que se abram à imaginação, a observar e perceber detalhes, a buscar informações, compreensão e o recolhimento de sua própria cultura.

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* Trecho originalmente publicado no livro "Balanceia Meu Batalhão", páginas 12 e 13, de Élsie Monteiro da Costa.

**Élsie Monteiro da Costa - Pesquisadora sobre cultura popular. Recebeu o "Prêmio Sílvio Romero (1978) pela monografia "Ternos de Congos". Fundadora, junto com Márcio Zago, do Instituto de Arte Garatuja, ONG dirigida à formação cultural e artística de crianças e jovens.

Pesquisa realizada pelo Instituto de Arte e Cultura Garatuja, subsidiada pelo programa Petrobrás Cultural - Música. Contou com assessoria e parceria da Associação Cultural Cachoera!.

Mais informações sobre o Projeto Universo Projeto-Musical dos Congadeiros de Atibaia no site do Instituto Garatuja - http://www.garatuja.org.br