GRABADOS & GRAVURAS*

Manoela Afonso **

        Brasília recebe uma importante mostra de gravuras pertencentes ao acervo do Museu de Arte Contemporânea Olho Latino, sediado em Campinas/SP. Ela pode ser visitada até 15/01/06, no Conjunto Cultural da Caixa, de terça a domingo, das 9 às 21 horas. Esta é a 8ª edição de "Grabados & Gravuras" e, segundo Paulo Cheida Sans - curador do acervo do Museu Olho Latino - essa mostra é um resumo das outras 7 anteriores. O público poderá apreciar uma produção gráfica de 60 obras que transitam entre diversas técnicas, tais como xilogravura, calcogravura, serigrafia, litografia, acrilocografia, colografia, entre outros processos gráficos. A exposição conta com, ao todo, 23 artistas de 10 países latino-americanos. Para aqueles que querem mais, é só acessar www.olholatino.com.br. Lá existem informações a respeito do Museu, além da sua revista eletrônica e do seu núcleo de produção. E para deixar gravado na memória a importância das artes gráficas na produção artística brasileira, passo a palavra para Paulo Cheida Sans.

Manoela Afonso: Como foi o início da sua trajetória na gravura?

PAULO CHEIDA: Como gravador comecei a fazer gravura quando cursei Educação Artística na PUC-Campinas, em 1977. Participei, na época. de importantes salões nas cidades de Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre e em muitas outras. Entre os prêmios que recebi na ocasião, destaco o "Prêmio Cidade de Curitiba" na III Mostra Anual de Gravura em Curitiba, PR, em 1980. Com o dinheiro do prêmio pude comprar uma prensa calcográfica e materiais para gravura. A primeira participação em gravura no exterior foi na mostra Images / Messages D'Amérique Latine no Centro Cultural Municipal de Paris, França, em 1978. Depois participei, entre outras, de significativas bienais do gênero, em Porto Rico, Japão, Noruega e Finlândia. No exterior, a minha participação conta com mais de 80 mostras, com gravuras inseridas em importantes acervos. Como curador na área de gravura, iniciei com a I Bienal Internacional de Gravura - Campinas, projeto de extensão de minha autoria pela PUC-Campinas, em 1987. A mostra foi exposta em várias cidades, inclusive Brasília, como evento que anunciava o Festival Latino - Americano de Arte e Cultura, realizado pela Unb. Neste FLAAC também fui o curador de Exposição de Gravura Latino-Americana, na qual Lívio Abramo recebeu participação especial. De lá para cá não parei mais, nem como gravador e nem como curador. Tenho especial carinho por Brasília. Estou representado nos acervos do Museu de Arte de Brasília e na Casa da Cultura da América Latina da Unb. Aliás, na CAL, na gestão da profa. Renée G. Simas, como diretora, pude atuar como curador em várias mostras, como na Grabados e Gravuras, em 1992, e na Grabados Argentinos, Hoy, em 1995. Estas mostras foram significativas, mereceriam estar na história da gravura, assim como a "Grabados e Gravuras" que está acontecendo na Caixa Cultural.

Alicia Scavino
"Bombardeio com o café de cada manhã I"
Água-forte e água tinta, 1993 - 65,5 x 79 cm

Manoela Afonso: Como você avalia a atual produção brasileira dentro das artes gráficas?

PAULO CHEIDA: Entre as possibilidades técnicas, creio que a gravura é a que exige mais do artista. Não digo no sentido de habilidade, que também necessita de um conhecimento amplo, mas na questão de perseverança e autoconfiança para enfrentar os possíveis descasos do cotidiano cultural. Geralmente os marchands, críticos e mídia de modo geral não destacam a gravura como ela merece. Nem sempre é possível que jornalistas e até mesmo agentes culturais conheçam os procedimentos da gravura. Digo que é difícil para qualquer artista continuar a fazer gravura se não tiver talento e vocação. Muitos experimentam, mas param. Diria que o gravador tem um gosto refinado, além de ter uma sensibilidade aguçada como geralmente o artista tem. No Brasil, temos excelentes gravadores espalhados pelo país, que conseguem participar em importantes bienais do gênero no exterior. Na minha opinião, é a gravura que melhor representa a arte brasileira pela qualidade e pela originalidade.

 


Manoela Afonso: Como surgiu o Acervo Olho Latino e qual é o seu principal
objetivo hoje?

Celina Carvalho
"Bumba-meu-boi"
Linogravura, 2002 - 48 x 66cm

PAULO CHEIDA: Como venho organizando mostras internacionais e nacionais de gravura há quase 20 anos, fui trocando minhas obras com as de artistas de vários países conforme as oportunidades surgiam. Também ganhei muitas gravuras e adquiri algumas. Inicialmente, minha esposa, a artista plástica Celina Carvalho, e eu, designamos 400 gravuras de nosso acervo particular, representantes de artistas de vários paises, para a fundação oficial do Museu Olho Latino, em 2001. No momento, estamos realizando o registro e catalogação de cerca de mais de 1000 obras inseridas ao acervo até este ano. São obras que representam a produção da gravura atual. A idéia de montar um Museu nasceu da vontade de mostrar o nosso acervo. Para doarmos as gravuras para alguma instituição, provavelmente elas estariam guardadas e nem sempre seriam expostas. Assim resolvemos montar o Museu Olho Latino para preservar, divulgar e valorizar a arte da gravura. Realizamos as Bienais Nacionais, Internacionais e Latino-Americanas de Gravura, mostramos o acervo parcialmente em mostras itinerantes e também promovemos a arte contemporânea de modo geral, como acontece na Bienal do Esquisito, já realizada em 3 edições. Promovemos também eventos temáticos de artes visuais, como "Resíduos de uma Súplica", "Parábolas para o Século XXIII" e muitas outras. Desde 2001, mesmo sem ter ainda espaço físico, realizamos cerca de 50 exposições. Não comercializamos as obras. Conseguimos fazer essas mostras, graças às parcerias de outras instituições sem fins lucrativos e também por meio da aprovação de nossos projetos inscritos em editais de exposições. O objetivo do Museu Olho Latino é ser um pólo propulsor da arte da gravura de modo geral, mas com uma característica que represente um pensamento nacional e latino-americano, sem seguir modelos e sim gerar com originalidade um modo de atuação mais condizente com a nossa própria cultura. Temos um local para a reserva técnica, mas ainda não temos uma sede de exposições capaz de atender as nossas realizações. O nosso principal objetivo hoje é encontrarmos um meio para ter a sede de exposições de nossos eventos.


Manoela Afonso: Dificilmente encontramos gravuras em salões nacionais de arte contemporânea ou em bienais. Parece que a gravura precisa transitar pelos seus nichos específicos. Você acredita que existe espaço para a gravura no atual universo contemporâneo?

PAULO CHEIDA: A cultura globalizada ilude os estudiosos e apreciadores da arte. Hoje é mais fácil saber o que acontece nos grandes museus da Europa do que saber das festas regionais nacionais e assim por diante. As universidades nem sempre sabem valorizar a própria arte brasileira. A importação cultural invadiu o nosso país, camuflando tradições e escondendo a nossa riqueza criativa. Os críticos, historiadores, curadores e agentes culturais não fazem por mal. Apenas seguem a cultura ditada pelos países mais fortes monetariamente. A gravura nesse contexto geralmente não é muito lembrada pelos críticos e curadores. É necessário ter "coragem" para remar contra o "modismo". Mas, para isso, é fundamental estar ciente de nossa própria riqueza artística. Penso que se uma Bienal em nosso país ficar parecida com a Documenta de Kassel, na Alemanha, ou com a Bienal de Veneza, na Itália, não estaria contribuindo com potencialidade para marcar presença na história da arte mundial. É cada vez mais necessário que o Brasil tenha teóricos que entendam as questões sociais que formam a arte. Não é possível a crítica e curadores se basearem somente na história da arte ditada por outras culturas. Os nossos salões e bienais são reflexos de nossa conduta enquanto teoria artística importada. Parece que temos que nos igualar aos outros, enquanto somos muito mais "criativos" e "autênticos". É um problema mundial. Os povos oprimidos seguem os valores dos países ditos de primeiro mundo. Por outro lado, acredito no Brasil, em nossa cultura e também em nossos teóricos. O artista autêntico permanece, independente de modismos. Por isso criei coragem para fazer as realizações que faço em nome do Olho Latino. Acredito na importância de nosso trabalho, mesmo sem ser remunerado, mas me sinto útil para a cultura de modo geral e principalmente para a arte da gravura.

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* Publicado originalmente na revista TABLADO, Brasília, DF - ano 7 - 2ª quinzena de dezembro de 2005, pág. 12 e 13.

** Manoela Afonso - Educadora formada em Artes Plásticas pela Faculdade de Artes do Paraná (1996-2000) com especialização em Fundamentos do Ensino da Arte.