ECOS E SOMBRAS, PARTES DO SER
Euclides Sandoval*
http://ipansotera.zip.net
Na
última Bienal do Esquisito do Olho Latino, um alarme para os sentidos.
Pergunta-se sobre o porquê da palavra esquisito. Se tem a ver com o divergente,
toda a arte contemporânea poderia ser tomada como esquisita. A questão
sobre o sentido de certos termos chega a exigir que a gente se posicione. Os
artistas do núcleo Olho Latino vivem de
desafios. Depois de O Enterro da Sardinha, tema da Bienal
de que falo, a próxima mostra, em Sousas, denomina-se Orifícios.
Estou convencido de que não existe definição perfeita,
a não ser por aproximações sucessivas. A palavra orifícios
permite associações com abertura, permeabilidade, janela, entrada,
porta, respiro, nascedouro, passagem, caminho. Interage com luz, vida, ventilação.
Descoberta, desabafo, desobstrução, transitável, vascular,
profundo, ligação... Abre-te Sésamo! E o termo esquisito?
Voltando a ele, entendo a sua ligação com nonsense, ou ao que
é surreal. Longe de pretender esgotar o assunto, é como se pensássemos
em voz alta, num automatismo consciente. O raro, precioso, pode parecer esquisito.
Um cheiro, uma imagem, temperamento ou jeito. O estranho, distante, até
o que suscita escárnio, zombaria. Forma de amar, rejeitar, comportamento
que se considera ousado. O não-conformista, o exótico. Pode ser
bonito, verdadeiro, feio. O adequado, a verdade inconcebível. De qualquer
maneira, o esquisito provoca reflexão e chega a mexer com os sentidos.
Quem age dessa forma pode tornar-se uma "lenda viva". Penso em alguém
que encontrou o próprio caminho. Envolveu-se com outras pessoas lendárias.
Presenteou o mundo com realizações notáveis. Houve períodos
de maior relevância. Disse: "Gosto de falar sobre o que faço.
Sei que a atitude tem o tom do esquisito, mas minhas coisas se dirigem àqueles
com quem desejo compartilhar. O significado é o que importa. Mais do
que a pura representação. De repente, o politicamente correto,
de um ponto de vista ético, exceção nos dias que correm,
tende a parecer esquisito. Inventar e arriscar, como maneira de ser, teria também
essa conotação. Vida que é um lidar com o inesperado. Nossa
época é das catástrofes. A natureza participa aí,
mas o principal agente é o homem. Importa sentir-se preparado, o que
não se aprende nas escolas". Pensando assim, a pessoa lembrada pergunta:
"Já experimentou fazer coisas não aprendidas? Pode ser maravilhoso.
Ao improvisar, advém o excitante e até o arrojo. É quando
se diz ou produz algo inédito sobre realidade e ilusão. Utopia
entra aqui. O perigo é acostumar-se com um certo conforto, rejeitando
o desconhecido. Cabe perguntar aonde fica a essência do humano, nosso
lado nobre. O divergente... A capacidade de criar. Todos a possuem. O esquisito
na essência do viver não se enquadra em categorias de gênero
ou número, nem aceita rótulos. Entre o que nos faz acomodados
e o que nos desperta, vale a pena o que tira da dormência. Posso me despertar
ouvindo ou executando determinada música, diante de um quadro ou cena
de peça, lendo, assistindo a um filme, experimentando novas sensações.
A pessoa de quem falo, não se vê como o único desperto.
Sabe que precisa acordar todos os dias, muitas vezes despertar em minutos...
Sente que vale a pena tornar a vida tão esquisita quanto uma aventura
eterna. E encarar as possibilidades axiomáticas de um orifício.
Trata-se da arte como exercício para se ver além da atualidade
representativa dos fatos.
*Professor da Fundação Municipal de Ensino Superior de Bragança
Paulista