A XILOGRAVURA NA LITERATURA DE CORDEL

Paulo Cheida Sans*

        No século XIX a xilogravura já estava perpetuada tanto no campo artístico como no utilitário. essa forma de arte brasileira no século XX, produzida nos grandes centros, tinha objetivo estritamente artístico. Contudo, no interior do País, sobretudo no Nordeste, artistas populares usavam-na para ilustrar folhetos em versos, os quais eram vendidos em praças e mercados. Muitas vezes, os próprios autores recitavam os versos para o público. O nome "literatura de cordel" deve-se ao costume de os folhetos serem dependurados em varas em fileiras de cordéis, esticadas entre barracas ou árvores.

Foto: Reprodução
Mestre Noza
"Via Sacra"
Xilogravura

        Foram os colonizadores portugueses que trouxeram ao Brasil os folhetos de cordel, repetindo o costume de sua comercialização desde os fins da Idade Média na Europa (Herskovits, 1986, p. 141).
        A literatura de cordel é o resultado visual da tradição oral dos repentistas. Seus autores abordavam desde fábulas, anedotas, crimes, milagres, histórias de cangaceiros e mesmo textos clássicos, sempre transmitidos, naturalmente, de modo popular. Por isso, a história é contada ou cantada com versos de fácil assimilação.
        Sabe-se que a literatura de cordel existe no Brasil desde a Abolição. Em torno de 1890 a impressão de jornais era pouca, as oficinas tipográficas ficavam ociosas. Então, os cantadores aproveitavam desse meio econômico a fim de imprimir seus versos para distribuí-los e vendê-los aos ouvintes.
        Embora a Imprensa Régia imprimisse histórias populares com capas xilogravadas em 1815, como a História da Princesa Magalona, considerada um dos clássicos do cordel, foi a partir de 1920 que a xilogravura se tornou mais usada na capa dos folhetos de cordel, para embelezá-los, tornado-os mais atrativos. Geralmente, os próprios escritores faziam as ilustrações xilogravadas, pois eram editores poetas e os próprios vendedores de suas produções.
        Leandro Gomes de Barros (1865-1918) é reconhecido como o primeiro poeta de cordel, tendo suas publicações difundidas pelos sertões da Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará.
        Joseph Luyten calcula que no Brasil circularam mais de 20.000 livretos de poesias populares (Costella, 1984, p. 94).

Foto: Reprodução
José Costa Leite
Sem título
Xilogravura

        Os principais grupos de gravura popular estão em Juazeiro, no Ceará e levam os nomes de: Walderedo Gonçalves, Abrão Batista, Mestre Noza e Stélio Diniz, além do grupo de Caruaru, em Pernambuco, que reúne Dila, José Costa Leite, J.Borges e Francisco Amaro.
Como ilustradores para cordel, destacam-se nomes expressivos como o de Severino Gonçalves de Oliveira (Cirilo) de Gravatá, Pernambuco; José Damásio Paulo; Lino Silva; Manuel Caboclo e João Pereira , de Juazeiro do Norte, Ceará.
        A xilogravura nordestina alcançou projeção internacional, sobretudo, depois que Robert Morem editou em 1965 uma coleção de catorze gravuras representando a Via Sacra gravada por Mestre Noza.
        Hoje, é comum o ilustrador assinar a prova, como se faz na gravura erudita, independente do texto. A xilogravura não se restringe à capa do cordel, sendo incluída em cartazes, folhetos educativos, estampada em pôsteres maiores e outros prospectos, até mesmo sendo feita em atenção a pedidos de encomenda. Há incentivo por parte das universidades do Nordeste do Brasil e de colecionadores para que a gravura nordestina subsista independente dos textos e dos folhetos.
        Como diz José Neistein: "Os folhetos são hoje objeto de estudo acadêmico, bem como, fonte de renovação poética, musical, da narrativa e das artes visuais no Brasil, num setor muito representativo dos criadores em nível erudito" (1981, p. 111).
        Vale realçar o acervo que o Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará possui sobre as manifestações mais representativas da cultura popular brasileira, especialmente a do Nordeste. O Museu citado possui variadas coleções de gravuras de todo o Brasil, inclusive "tacos" utilizados para impressão. É uma importante contribuição para o estudo histórico-crítico da gravura popular do Nordeste brasileiro.

Referências Bibliográficas

COSTELLA, Antonio. Introdução à gravura e história da xilografia. Campos do Jordão, Ed. Mantiqueira, 1984.
HERSKOVITS, Anico. Xilogravura - arte e técnica. Porto Alegre, Tchê!, 1986.
NEISTEIN, José. Feitura das Artes. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1981.

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*Curador do Acervo Olho Latino
Professor da Faculdade de Artes Visuais - CLC - PUC-Campinas.