O GRANDE MESTRE TAO SIGULDA MORRE AOS 91 ANOS

Paulo Cheida Sans*

        O artista plástico Tao Sigulda morreu no dia 10 de fevereiro, vítima de insuficiência renal, sendo sepultado no dia seguinte, em Campo Limpo Paulista. Ficou internado, com problemas na vesícula, por 23 dias, no Hospital Pitangueiras, em Jundiaí, SP.

Foto: Paulo Cheida Sans
Tao Sigulda - 1998

        Tao escolheu Jarinu, SP, para fixar residência há mais de três décadas. Deixa uma herança cultural extremamente significativa, tanto pela sua produção artística quanto pela fundação do Centro Cultural Tao Sigulda.
        Tao Sigulda nasceu em Riga, Letônia, em 1914, no início da I Grande Guerra Mundial. Viveu anos de sua infância às margens do Rio Volga, na Rússia, nas propriedades do pai, retornando a Riga em 1921. Aprendeu o ofício de técnico em armas ao tempo em que iniciava seus estudos em arte.
        Mais tarde, na Escola de Petersburgo, como aluno de Roman Sutta, Tao fez suas primeiras obras abstratas. Mediante dedicação aos estudos e visitas a exposições, o artista teve oportunidade de aprimorar-se sempre e cada vez mais, e numa das visitas ao Salão Internacional de Paris, em 1936, conheceu Picasso, amigo de seu professor.
        Com perspicácia e talento criou tanto obras dimensionais como tridimensionais. Tao Sigulda ganhou bolsa de estudos para completar a sua formação artística na Alemanha. Cursou a Escola Superior de Berlim e também estudou na Academia de Belas Artes de Stuttgart, onde se destacou recebendo o título de "Aluno-Mestre". Continuou seu estudo na Academia de Munique e participou de cursos especiais nas Faculdades de Filosofia e Psicologia da mesma cidade. Estudou anatomia com o célebre professor Molier e esse aprendizado ficou registrado em suas obras de figuras humanas e de animais.
        Concluiu seus estudos na França, Itália e Áustria. Nessa jornada conheceu importantes artistas e intelectuais, como Fritz Hundertwasser e Willy Baumeister.
        Vivendo na República Federal da Alemanha, suas obras já faziam parte de importantes coleções na Europa e nos Estados Unidos. Chegou ao Brasil em 1961, ficando fascinado pela magia do país que reunia tantas raças! Ampliando o seu conhecimento com o uso de materiais brasileiros, a "brasilidade" aguçou a sua criação, passando a trabalhar ininterruptamente.

Foto: Paulo Cheida Sans
Tao Sigulda, Tama e Paulo Cheida Sans - 1998

        Seu talento e conhecimento estão registrados em diversas obras expostas em museus e salões de arte do mundo todo. Vale registrar que os acessórios religiosos, esculturas e viltraux do interior da Igreja do Preciosíssimo Sangue de Jesus, no Rio de Janeiro, são obra sua.
        Nos últimos anos, Tao realizou exposições em Bremen, Stuttgart, Ulm, Viena e Nápoles. Nesta última cidade, o crítico do Egostati Citá, Carlo Barbieri, destacou de modo especial o artista, que recebeu premiações na Alemanha, Letônia e Estados Unidos. Neste país, em 1967, recebeu o 1º e 2º lugares na coletiva de Saginaw-Fair, de Detroid e o "Grande Selo do Estado de Michigan". Obras de sua autoria estão espalhadas em importantes acervos de vários países, entre os quais citam-se países da África, a Alemanha, a Áustria, a Bélgica, o Brasil, o Canadá, os Estados Unidos, a Inglaterra, a Itália, a Suíça, Portugal, Trinidad e a Rússia. A partir de 1973, o artista realizou exposições individuais no Brasil, Alemanha, Colômbia e Espanha.
        Tao fundou o Centro Cultural Tao Sigulda em Figueira Branca, ajudado por Tama, eficiente esposa, a qual possui extenso currículo como atriz, tendo se apresentado em turnée em palcos na Europa e também no Brasil e atuado no Teatro, Cinema e Rádio João Caetano, na Aliança Francesa, na Pró-Arte e no Instituto Goëthe, em São Paulo. Sua sensibilidade artística tornou-a promotora cultural.
        O Centro Cultural é hoje uma atração turística e cultural em razão de sua dinâmica ao oferecer mostras permanentes, além de outras atividades. O Centro Cultural Tao Sigulda incentiva o intercâmbio entre artistas e apreciadores da arte, por meio de cursos, eventos diversos de artes cênicas e mostras coletivas que acontecem em duas ocasiões no decorrer do ano, reunindo nomes consagrados com promissores artistas jovens, dentre os quais, vários foram revelados para o mundo artístico e hoje integram importantes mostras no Brasil e exterior.

Foto: Paulo Cheida Sans
Centro Cultural Tao Sigulda - 1998
Rua Estação do Mirante, 240/264
Figueira Branca - Campo Limpo Paulista

        Entre outros, participaram de suas habituais coletivas os seguintes artistas: A. Vilhena, Alex Roch, Celina Carvalho, Elvio Santiago, Evandro Carlos Jardim, Gersey Pinheiros Cruz, Gisela Schmidt, H. Bandeira, H. Strongov, Kaneko, Klaus Rybski, Lairana, Lúcia Rosa, Márcio Schiaz, Marcos Guimarães, M. Domenica Perino, M.L.M. Panizza, Marico Kaneko, Maurício Moraes, M. Helena, Orlando Marques de Freitas, Paco Di Ribes, Paulo Cheida Sans, Semiramis R. Mojola, Signe Moebus, Simone A.K. Neves, Tomie Ohtake e Young Koh.
        O Centro Cultural também promove apresentações de música, danças folclóricas e é um local destinado aos apreciadores da arte que podem assistir aos eventos e relacionar-se com pessoas especiais, freqüentadoras habituais do local. Excursões acontecem de vários pontos da região para conhecer o Centro, o qual hoje, com mais de vinte anos de existência, é, sem dúvida, um patrimônio não só local, mas do país.
        Na qualidade de artista, Tão Sigulda trabalhou com materiais diversificados, demonstrando um talento inegável, tendo passado por várias fases em sua carreira. O teor de sua criação, no entanto oferece um estilo inconfundível tanto como escultor quanto como pintor e desenhista. A atmosfera, que envolve suas personagens, e os movimentos precisos de suas figuras escultóricas criaram um estilo pessoal. Cada obra de Tao contém um teor simbólico e cada elemento nela inserido está em sincronia com os demais. O artista, de tendência surrealista, propõe que "tudo" tem significado. Cada pormenor, por mais insignificante que possa parecer, nunca está ao acaso em sua obra.
        Numa ocasião pude observar Tao pintando. Percebi nitidamente a "missão" de vida que o destino lhe reservou: ser artista. Um artista, todavia, em sintonia com "algo" superior, pois a sua obra representa "a imagem" como filosofia. A visão de mundo apresentada em forma onírica revela, de modo mais consistente, a própria natureza terrena e espiritual. A rica produção do artista, tanto em qualidade como em quantidade, já contava, em 1988, com mais de 6500 obras. A sua arte e o seu pensamento de artista merecem um estudo aprofundado, para que seu nome seja resguardado e perpetuado como expressão legítima de nossa cultura.
        A experiência de vida de Tao, enriquecida pela presença de Tama, determinou uma visão particular de atuação, e somente quem acredita ser a arte importante como conquista da sociedade, poderia propor a criação de um órgão para a expansão artística, como, de fato, está sendo o Centro Cultural Tao Sigulda.
        Tao e Tama, o casal que transpirou "arte", fez a sua história, enriquecendo a nossa. Certamente, Tao Sigulda merece ser reconhecido e lembrado na história da arte por críticos e pesquisadores para que sua obra seja cada vez mais perpetuada.
        Quando completou 91 anos foram lançados dois livros sobre ele - "Tao Sigulda - a arte é a caligrafia da alma", de Heloisa de Aquino Azevedo e "Arte, educação e projetos - Tao Sigulda para crianças e educadores", de Margaret Brandini Park e Suely Iório pela Árvore do Saber Edições e Centro de Estudos Pedagógicos. São estudos significativos que registram a arte filosófica de um autêntico e versátil artista que soube em vida compartilhar o seu conhecimento e amizade.

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*Curador do Acervo Olho Latino
Professor da Faculdade de Artes Visuais - CLC - PUC-Campinas.