KAREL APPEL, O ARTISTA QUE PINTAVA COMO UM BÁRBARO

Paulo Cheida Sans*

        O artista holandês Karel Appel morreu em 4 de maio deste ano, aos 85 anos, na cidade suíça de Zurique. Pintor e escultor, Appel é um artista importante do expressionismo gerado em meados do século XX. É lembrado, principalmente, por ter participado do Grupo Cobra (referência às cidades de Copenhague, Bruxelas e Amsterdã), que possibilitou novas vertentes à arte nos anos 50. Deste movimento também participaram Constant, Corneille, Asger Jorn, Dotremont e Alechinsky.
 

Foto: Reprodução

Karel Appel
Cabeça trágica
óleo sobre tela
146x113,7cm
1957

       Appel Nasceu em Amsterdã em 1921 e pintou até pouco antes da sua morte. Viveu na Holanda, em várias cidades da Bélgica, na França e finalmente em Zurique, onde instalou seu último ateliê. Estudou na Academia de Belas Artes de Amsterdã entre 1940 e 1943, época em que a Alemanha nazista ocupou a Holanda. O artista sofreu o horror da Guerra e o cerceamento da liberdade artística.
        Nos últimos anos da guerra, Appel e outros pintores holandeses viajam pelo país vendendo telas com o intuito de conhecerem suas raízes, desenvolvendo uma arte de cunho experimental.
        Evocando a inovação, Karel Appel participa da fundação do Grupo Experimental, em 1948, unindo-o com o Grupo Cobra no mesmo ano. Fez pinturas, esculturas e gravuras, experimentando novas técnicas e desenvolvendo uma arte espontânea em oposição à repressão dos anos da Segunda Guerra Mundial. Seu modo de se expressar artisticamente era uma tentativa de resgatar os elementos tradicionais da cultura primitiva e a identidade cultural de seu país, que estava sofrendo uma mudança avassaladora diante de uma crescente industrialização. Pintava "instintivamente" como uma criança, utilizando cores vivas e traços grossos. Valorizava o imediatismo em oposição ao excesso de teoria e de métodos presentes na arte européia da época, contrariando a tendência mais racionalista da arte abstrata, que tinha o artista Piet Mondrian como um de seus expoentes.

Foto: Reprodução
Karel Appel
De Bon Matin
Gravura
50 x 38 cm
1998

      Afastando-se do grupo depois de um tempo, fixou-se em Paris na década de 50, ocasião em que passa a ser considerado como um dos grandes inovadores da arte, consolidando seu nome entre os principais da pintura não-figurativa. No Brasil, participou da II Bienal de São Paulo em 1953 e ganhou o Prêmio Internacional de Pintura na V Bienal de São Paulo em 1959.
        Há sintonia na inspiração de Karel Appel, Pablo Picasso e Henri Matisse, pois prevalece o encanto "pueril" da criação em harmonia com a descontração do "mundo" primitivo e da autenticidade da criança. As cores e as formas são usadas à vontade. Não há parâmetros entre o belo e o feio.
Sobre o artista tem um filme, "A realidade de Karel Appel", de Jan Vrijmon, realizado na Holanda em 1962, que é uma verdadeira preciosidade. Esta película está mencionada no livro Film as a Subversive Art (1974) do crítico e historiador Amos Vogel, como um dos destaques vanguardistas (2). Na fita, Appel mostra sua fúria" criativa. Ao observar a tela de grande formato em branco, parece estar calculando uma estratégia de ação para começar .um trabalho em que será o vencedor. Em pé, inicia a pintura usando uma espátula de grande dimensão com a mão esquerda. À medida que vai realizando a pintura, acontece uma espécie de "êxtase" que o permeia, indicando suas atitudes e construção visual da obra. No auge da interação com a criação que está desenvolvendo, pega duas trinchas, uma em cada mão, e continua o trabalho pintando com as duas mãos numa vibração que faz a tela tremer. É ágil e objetivo como se estivesse enfrentando um inimigo. Carrega a tela com tinta espessa, formando uma superfície "matérica" (1) e trabalhada com camadas sobrepostas. De vez em quando se afasta da obra observando atentamente em que estado se encontra e volta a investir contra ela com a mesma euforia, detalhando algumas áreas com a tinta saindo diretamente da bisnaga ou usando os próprios dedos em alguns lampejos sutis a fim de acrescentar ou acertar algum efeito pictórico. A sua energia é contagiante. Para o artista o "processo" de criação parece ser mais importante do que o trabalho acabado. Sobre a própria obra, Karel Appel disse: "Pinto como um bárbaro numa época bárbara".
        O expressionismo predominante em sua produção somente foi amenizado nos últimos anos de vida, provavelmente por causa de uma necessidade natural de sua idade avançada, que o obrigava a pintar sentado.

Referências Bibliográficas

1- SCRENCI, Nelson. Grupo Cobra: A Arte Européia Do Pós-Guerra. Palestra proferida no auditório Brasílio Itiberê da Secretaria Municipal de Cultura de Curitiba. Partes 1 e 2. Transcrição: Artur Freitas. A Fonte: Revista de Arte. Disponível: http://www.geocities.com/a_fonte_2000/cobra1.htm. Acesso: 15 de maio de 2006.

2- HOMERO, Pedro. Greener pastures. Disponível: http://www.imagofilmfest.com/svc/cr_homero_01.htm. Acesso: 15 de maio de 2006

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*Curador do Acervo Olho Latino
Professor da Faculdade de Artes Visuais - CLC - PUC-Campinas.