O DESCASO PELA ARTE
Antônio Luiz M. Andrade (Almandrade)*
"Na época atual, a fatalidade de toda e qualquer arte é ser contaminada pela inverdade da totalidade dominadora." (Adorno)
A arte como um trabalho
intelectual que amplia a experiência que o homem tem do real e do imaginário,
se opõe ao trabalho alienante da sociedade moderna. Por outro lado,
no meio de arte convivem compromissos e interesses alheios à própria
arte; suas condições de produção se encontram
dentro de um campo social e político, sujeito a um conjunto de pressões.
O Estado, os patrocinadores e o mercado, visando interesses imediatos, privilegiam,
muitas vezes, artistas cujas obras pouco acrescentam ao mundo da inteligência.
No espetáculo montado pela política, tudo se confunde, tudo
passa pela ideologia do poder e pela estética do espetáculo,
como: a educação, a economia, a ecologia e os discursos políticos.
Nesse palco, a cultura foi relegada a uma coisa mundana, uma espécie
de conhecimento ornamental que serve à mídia e ao jogo social;
a arte perdeu sua singularidade e suas qualidades que a colocavam acima das
banalidades do cotidiano, deixando de ser o olhar que interroga, que transforma
cores, texturas, formas, experiências sensoriais em meio de conhecimento.
Nesta relação cultura e poder, insere-se a "crise da arte",
onde o poder tem prevalecido diante da pesquisa estética.
Enquanto trabalhos que
têm alguma importância pela pesquisa neles investidos, passam
despercebidos trabalhos diluidores da informação, reproduções
de clichês divulgados pela mídia são celebrados pelos
consumidores de decorações e divertimentos culturais. Uma sociedade
sem demandas culturais acaba fazendo da arte uma atividade menor. O cotidiano
da política e da economia faz o discurso que se infiltra em todos os
espaços, expulsando a cultura para a periferia dos interesses da cidadania.
Os artistas, que mesmo sem construírem uma obra, tem os seus reconhecimentos
garantidos pela indústria da publicidade, se sobrepõem àqueles
que tem uma vida dedicada à pesquisa e ao trabalho de edificar uma
linguagem, contribuindo para a demolição da ética e do
pensamento crítico.
Sem uma consciência
crítica e sem uma convicção ética, artistas, críticos,
intelectuais, administradores culturais inventados pela mídia e pelo
poder político tomam posição e decidem contra a autonomia
e a independência do trabalho de arte. Promovem e divulgam os bens culturais
em proveito próprio, para se sustentarem de forma privilegiada numa
relação de poder. - Nada mais paradoxal, por exemplo, do que
essas leis de incentivo a cultura. Por que incentivar a cultura se ela é
um componente essencial para o enriquecimento da sociedade? Antes de ser uma
questão de lei, a cultura é uma questão de sensibilidade
e de cidadania.
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Há um desinteresse
geral pela cultura que ocupa um lugar cada vez menos importante nos discursos
do cotidiano. Para ser artista, antes de mais nada, é preciso um tráfego
de influências pessoais, acesso à mídia e aos patrocinadores,
que fazem da arte um produto incapaz de atribuir um sentido à existência
da sociedade. E quem realmente patrocina a arte? - "Os contribuintes
pagam aquilo que as empresas recuperam através de isenções
fiscais pelas suas doações, e somos nós que verdadeiramente
subvencionamos a propaganda." (Hans Haacke). Numa sociedade comandada
pela economia, tudo se resume à lei da oferta e da procura.
A arte, burocraticamente
falando, é mais uma imagem carente de sentido que divulga um certo
prestígio social e econômico, e menos um meio de conhecimento
indispensável para o homem contemplar o mundo. Se a obra de arte é
expressão de uma sociedade, testemunho de um tempo, de um estágio
de conhecimento, renunciar à sua inteligibilidade é renunciar
à história.
A política, por
sua vez, apropriou-se da cultura e fez dela um verniz para animar ou dar um
polimento ao discurso político. A arte perdeu sua inocência,
ela agora é objeto do mercado, do Estado e de outras instituições
que desconhecem seus mecanismos de produção e sua história.
Se os partidos políticos que falam de cultura em seus programas de
campanha querem fazer alguma coisa pela cultura, não deveriam fazer
coisa alguma, e sim, devolverem aos intelectuais, aos artistas, a quem trabalha
diretamente com a cultura, o poder de decisão e o comando do processo
cultural. É preciso devolver à arte seu território perdido.
Quem atualmente exerce o poder
sobre o destino dos bens culturais, trabalha, direta ou indiretamente para
o mercado, ou é burocrata de carreira que pouco entende das linguagens
artísticas e suas leituras. Acabam desprezando os seus valores à
serviço do senso comum. Muitas instituições que lidam
com a arte, sem recursos econômicos e sem um corpo técnico ligado
à área, perderam a importância e a autonomia, quando não
são agências de eventos irregulares sem um projeto definido.
A mídia dominou a cultura e o artista deixou de lado a indagação
da linguagem da arte, abandonou a solidão do atelier, para se tornar
um personagem público do teatro social. E a proliferação
de um produto designado como arte e do discurso estético, sem a arte,
pode significar o desaparecimento da própria arte.
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* Almandrade - Artista plástico, arquiteto, mestre em desenho urbano e poeta.
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