FLUXUS*

Cristiane Grando**

pensas que sou feita de carne, ossos, sangue? não, sou
vento, chuva, fogo, nada às vezes é bom sentir fome para
só depois morrer de saudade meu último poema
insuportável a perfeição do gozo sangue vejo somente
sangue e chuva para que a introspecção? para que ver o
obscuro? Me ama mas não me olha com a profundidade
dos olhos que não vêem sinto a falta de suas mãos é
como se no mundo já não existissem um pai nem um
deus escrever pode ser um ato de amor mas também o
suicídio das palavras alguém canta ao longe alguém
canta em meus ouvidos surdos náuseas eu que estou
quase morta da vida e do silencio escrevo para ser porque
estou e ainda corre o vermelho da vida escrevo num fluxo
dinâmico de estrelas num quase quase-escuro do quarto para
não ver as letras para ver somente para ver a perfeição
infernal o calor do corpo suando sob as roupas sei da
angustia de Virginia Woolf e dos hormônios da mulher que
explodem como vulcões tenho medo dos terremotos; sou
filha destes movimentos que moram desde sempre em
minha paisagem jamais escrevi tanto a um só tempo
talvez esteja pronta para a mensagem cifrada; amanhã
compreenderei as frustrações do hoje como tu, Carlos,
compreendes somente no agora tuas palavras e folhos do
passado que graça, leveza e peso carregam as palavras e
os filhos que hão de chegar um dia poeta-escutor-de-
dilencios-e-pedras que doçura e amargo suportam os
fonemas e os versos a morte e seu duplo vêm seduções e
mistérios marmortemar a morte vem a morte que habita
em mim a morte e seus ecos queria tanto ser homem e
talvez assim pudesse ser menos morte abandono é o meu
nome meu ser gestado pelo tempo cicatrizes no rosto
e muito mais que as rugas cicatrizes na cara em que o
mundo bate e bate e bate como o vento nas janelas de
uma casa abandonada escrevo como se fosse um só grito
na noite escrevo, escrevo e escrevo energia escura do
multiverso pluriversa-se a noite
e anoitece ainda mais

Foto: Divulgação
Fluxus
Cristiane Granado
Ediciones Gato de Papel
Cerquilho,SP - Brasil


Serviço:

Livro: Fluxus
Autora: Cristiane Grando
Ilustrações: Leo Lobo
Tradução: Espérance Aniesa (para o Francês); Leo Lobos (para o Espanhol); Levana Saxon (para o Inglês)
Editora: Ediciones Gato de Papel (Cerquilho, SP)
Contato com a autora: Crtistina Grando - crisgrando@yahoo.com.br
Rua Monte Castelo, 68 - Cerquilho, SP - Brasil - CEP: 18520-000

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*Fluxus: poema escrito por Cristiane Grando em 24 de setembro de 2004 na cidade de Castro, Ilha de Chiloé, Chile; revisado pela autora, traduzido ao espanhol e ilustrado pelo poeta Leo Lobos em outubro do mesmo ano no Jardim das Artes, Cerquilho - SP, Brasil. Traduzido ao francês por Espérance Aniesa e Cristiane Grando em Remilly-sur-Seine, França, em novembro de 2004 e ao inglês por Levana Saxon em Berkeley, Califórnia, USA, em março de 2005. Esse poema foi lido em 2005 pela autora no 2º Encuentro de Escritores Confluencia Literaria em la Patagonia, Neuquén, Argentina, no XIII Congresso Brasileiro de Poesia, Bento Gonçalves-RS, Brasil e na II Semana das Artes, Cerquilho - SP, Brasil.

** Cristiane Grando - como fotógrafa que é, e talvez por isso tão sensível ao aspecto visual do seu texto não se intimida de seu poema-sangue, que chove vermelho sobre a fina página. E nem poderia, porque a poeta não incomoda o leitor com cólicas ou descrições menstruais, mas constrói um fluxo menstrual poemático que parte do útero artificial herdado de Zeus.

Geruza Zelnys de Almeida
Mestre em Literatura PUC-SP