O ROMANTISMO DE ALICIA SCAVINO

Paulo Cheida Sans*

Foto: Acervo
“Bombardeio com o café de cada manhã I”
Água forte e água tinta - 1993

       Conheci melhor a obra gráfica de Alicia Scavino na ocasião que organizei como curador a "Grabados Argentinos, Hoy", a convite da embaixada da Argentina no Brasil, mostra que foi exposta na Casa da Cultura da América Latina da Universidade de Brasília, na gestão da eficiente Diretora Profa. Renée G. Simas, em 1995. Um pouco depois desta exposição, convidei a Alicia para participar de outra, que também contava com minha curadoria, a "Grabados & Gravuras", assim acontecendo doação por parte da artista de três obras importantíssimas de sua rica produção para o acervo Olho Latino. Estas gravuras participaram de importantes eventos e foram impressas em diversos meios de divulgação.
       A impressão que tive na ocasião é que a artista estava doando as obras com muito carinho, devido a escolha cuidadosa das gravuras e também por ter enviado adequadamente as informações e catálogos a seu respeito. Creio que ela estava acreditando no futuro de um promissor acervo, que na época, era feito em nome da revista Olho Latino. Na época, o seu nome já despontava como uma das principais gravadoras da Argentina.
       Alicia dominou com maestria as técnicas da gravura, criando obras que registram uma figuração peculiar, harmonizando as cores e os claros e escuros, formando focos melancólicos, serenos e românticos.
       Abordava temas binômios como "vida e arte" e outros focalizando a natureza, a mulher e a mitologia americana. Dedicou especial atenção a assuntos que envolviam a "germinação" da vida, do amor e da reflexão. Pode-se fazer referência ao seu estilo temático, ainda que se mantenha a característica de cada uma delas, outra artista expoente da arte, a pintora mexicana Frida Khalo, a qual Alicia prestou muitas referências e homenagens em suas gravuras.
       As obras de Scavino transmitem uma delicadeza incomum com muita feminilidade e um exímio talento em harmonizar e contrastar as cores. Suas gravuras se caracterizam pelo virtuosismo técnico na execução e por sua imensa expressividade plástica. No conjunto de sua obra, a cor se converte numa excepcional fonte para configurar-se como confidente aos dramas que demonstram as maiores inquietudes da artista.
       A carreira de Alicia é a soma de uma constância de dedicação árdua e gênio artístico. Foi muito requisita por autores diversos para ilustrar poemas e livros, assim como aconteceu na publicação homenagem sobre a vida de Diego Maradona.
       Na obra Bombardeo con el café de cada mañana I (1993) vemos o auto-retrato da autora torturando-se com a leitura de "La Nación". Na gravura Sombrero Galego (1991) admiramos o romantismo que impera a obra e em El ángel caído há a emanação de um lirismo onírico agudo.
       Alicia Scavino é uma das mais célebres artistas da arte contemporânea da Argentina. O seu prestígio é internacional, conquistado graças a uma carreira sólida e reconhecido por meio de inúmeros prêmios, que recebeu desde 1965. Recebeu 36 prêmios, dentre os quais a "distinção máxima" na 6º International Print, de Taipei, China (1993), o "Ecqual Prize" na International Art Trienale Majdanek'97, Lublin, Polônia, o "Purchase Prize Award", Gilkey Center, Portland Art Museum, EUA (1998) e o "First Prize" no 4th Sapporo International Print Biennale, Japão. Realizou mais de 60 exposições individuais e também participou em mais de 60 importantes mostras e bienais em várias partes do mundo.
       Faleceu em Buenos Aires em 25 de fevereiro deste ano. A ausência da artista é uma perda irrecuperável para a arte, sobretudo para a gravura, modalidade esta defendida e desenvolvida com muita desenvoltura pela artista ao longo dos anos. A primeira homenagem póstuma aconteceu em abril e maio deste ano no Museo Providencial, em Huelva, Argentina, com a mostra "Imágenes del Alma" com obras da artista de vários períodos, tendo como comissário Miguel Carini.
       Alicia Scavino é considerada por especialistas como uma das criadoras plásticas contemporâneas mais importantes da Argentina e da América do Sul, assim como diz Olivia Maciel: "Alicia é a via lactea en el cielo del grabado".
       Suas obras figuram, entre outros, nos seguintes acervos: Museu Epeo de Nocara, Calabria, Itália, Conseil Québecois de I´Stampa, Montreal - Canadá; Museu das Artes do Século XX, Praga - República Tcheca; Fine Art Museum, Taipei - R.O.China; Portland Art Museum, Oregón - USA. Museu de Arte Moderna, Hokkaido, Sapporo - Japão. Pantwowe Muzeum Na Najdanku, Jublin - Polônia; Caixa de Orense, Galicia - Espanha; Galería 266, Franjurtesrstrasse 38/22 - Alemanha; Museu Municipal E. Sívori e Salas Nacionais da Argentina; Art Box, Barcelona - Espanha; Galeria Brita Print, Madrid - Espanha e Museu Olho Latino, Atibaia, SP - Brasil.
       O Museu Olho Latino também presta sua homenagem à artista em sua inauguração do espaço em Atibaia, colocando suas obras no painel "Destaque" da sala do Acervo.

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* Diretor do Museu Olho Latino e Curador do Acervo Olho Latino
Professor da Faculdade de Artes Visuais - CLC - PUC-Campinas.