TRANSFORMAR PEDRA EM PÃO
Euclides Sandoval*
Vou me convencendo que artista é olho e emoção. Visão, o sentido mais abrangente. O sensorial mama o mundo. O homem nasceu a beira-mar. Pais pescadores. Dia e noite, dois dias inteiros no mar. Aquela paisagem, tudo mareado. Vivência fascinante. Terra natal, Ceará, Acaraú. Foi para a Amazônia, países vizinhos. Começou cedo a pintar. Exposições na Bolívia, Guiana Francesa, Peru. A energia do ouro o atraiu, chegando a garimpar. Temática
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de mineração numa série
de gravuras. Prêmio de viagem à Espanha, Madrid. Ateliê,
"Grupo 15", contato com Miró, litogravura. Em Cuba, mostra
individual na Casa das Américas, e participação na bienal
de Havana. Rio de Janeiro, ao deixar a Amazônia, década de 60,
fase dos "Encarcerados", postura engajada no Brasil da época.
Companhia de Hélio Oiticica, o homem de quem falo, um dos poucos que
poderia falar do artista dos parangolés nascidos no morro da Mangueira.
De uma viagem à zona bragantina, enamorou-se da Pedra Grande, Atibaia.
Ficou por aqui. "Espermonautas", fase de maior identificação
com a natureza. Uma natureza transfigurada. O onírico. De família
simples, viagens. Muitos prêmios. Aventura permanente, desde a fase
circence, do começo, ainda no Ceará. Além das destrezas
físicas aprendidas, realizou cenários para os espetáculos.
O homem, artesão e artista plástico, muitas habilidades. Habilidades
manuais de "engenheiro" a pedreiro, faxineiro, marceneiro, ele preparando
os próprios suportes e molduras. Ilustrador de obras literárias
para escritores, capas de livros. Ruy Castro, um deles. Conheceu e trabalhou
com a psiquiatra Nise da Silveira, hospital do Engenho de Dentro, Rio. De
lá saiu um dos maiores artistas plásticos do mundo, o Bispo
do Rosário. Atividades no ateliê de artes criado pela Nise, que
deu origem ao Museu do Inconsciente, cujas obras foram reconhecidas por Jung
como de extraordinária importância. Influenciado pelo filme 2.001,
de Stanley Kubrick, extravasa o seu grafismo em trabalhos espaciais.
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O
pintor, desenhista, gravador Inácio Rodrigues, escolhido para a mostra
inaugural de um dos maiores acervos de gravura que se conhece - o do Museu
Olho Latino, de Paulo Cheida Sans e Celina Carvalho, agora instalado em Atibaia,
participou de salões e bienais, exposições coletivas
e individuais no Brasil e exterior, com várias premiações,
obras em acervos. Pertence a coleções particulares, sendo citado
em livros de arte. Na conversa que tivemos aqui no Beiral das Pedras, merecedora
de entrevista e gravador, como as do Pasquim (este jornal foi um dos que desmontou
o condicionamento da mídia, preocupada com o custo dos espaços),
o que fica como promessa.
Inácio
Rodrigues mais do que o café, para começar, e o vinho seco artesanal
que tomamos na melhor fase, a da conversa sem limites. Homem profundamente
humano e sensível, capaz de transformar pedra em pão. Sua geração
foi de autodidatas, gente que atribuía à vida o maior papel
formador. Ouvinte, na Belas Artes do Rio, gozou da vantagem de ser voluntário,
e não depender de notas, provas e diploma. Começou muito cedo
no nordeste, contato com artistas e vivência em ateliês. Já
se sentiu arrogante, hoje compreendendo que se relacionar e colaborar é
a melhor forma de convivência, para que o artista não se isole
de uma maneira até doentia. Cinqüenta e oito anos de existência,
bastante ligado à família, vivendo com Antonieta e a filha Marina,
a mulher interessada para que ele não perca o auto-respeito, quando
alguém lhe pede para juntar e mostrar os seus quadros... para não
os valorizar. Inácio sente que a fase atual da Cultura em Atibaia é
algo inédito, e que isso não pode parar num mundo de catástrofes.
Momento único que, realmente, tende a transformar as pessoas, modificando
atitudes pela revisão de paradigmas e a maneira de se comportar.
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* Diretor do Museu Olho Latino e Curador do Acervo
Olho Latino
Professor da Faculdade de Artes Visuais - CLC - PUC-Campinas.
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