TRANSFORMAR PEDRA EM PÃO

Euclides Sandoval*

        Vou me convencendo que artista é olho e emoção. Visão, o sentido mais abrangente. O sensorial mama o mundo. O homem nasceu a beira-mar. Pais pescadores. Dia e noite, dois dias inteiros no mar. Aquela paisagem, tudo mareado. Vivência fascinante. Terra natal, Ceará, Acaraú. Foi para a Amazônia, países vizinhos. Começou cedo a pintar. Exposições na Bolívia, Guiana Francesa, Peru. A energia do ouro o atraiu, chegando a garimpar. Temática

Foto: Divulgação
Inácio Rodrigues
"Mutação"
1987
Litografia

de mineração numa série de gravuras. Prêmio de viagem à Espanha, Madrid. Ateliê, "Grupo 15", contato com Miró, litogravura. Em Cuba, mostra individual na Casa das Américas, e participação na bienal de Havana. Rio de Janeiro, ao deixar a Amazônia, década de 60, fase dos "Encarcerados", postura engajada no Brasil da época. Companhia de Hélio Oiticica, o homem de quem falo, um dos poucos que poderia falar do artista dos parangolés nascidos no morro da Mangueira. De uma viagem à zona bragantina, enamorou-se da Pedra Grande, Atibaia. Ficou por aqui. "Espermonautas", fase de maior identificação com a natureza. Uma natureza transfigurada. O onírico. De família simples, viagens. Muitos prêmios. Aventura permanente, desde a fase circence, do começo, ainda no Ceará. Além das destrezas físicas aprendidas, realizou cenários para os espetáculos. O homem, artesão e artista plástico, muitas habilidades. Habilidades manuais de "engenheiro" a pedreiro, faxineiro, marceneiro, ele preparando os próprios suportes e molduras. Ilustrador de obras literárias para escritores, capas de livros. Ruy Castro, um deles. Conheceu e trabalhou com a psiquiatra Nise da Silveira, hospital do Engenho de Dentro, Rio. De lá saiu um dos maiores artistas plásticos do mundo, o Bispo do Rosário. Atividades no ateliê de artes criado pela Nise, que deu origem ao Museu do Inconsciente, cujas obras foram reconhecidas por Jung como de extraordinária importância. Influenciado pelo filme 2.001, de Stanley Kubrick, extravasa o seu grafismo em trabalhos espaciais.

Foto: Divulgação
Inácio Rodrigues
Sem-título
1992
Litografia

        O pintor, desenhista, gravador Inácio Rodrigues, escolhido para a mostra inaugural de um dos maiores acervos de gravura que se conhece - o do Museu Olho Latino, de Paulo Cheida Sans e Celina Carvalho, agora instalado em Atibaia, participou de salões e bienais, exposições coletivas e individuais no Brasil e exterior, com várias premiações, obras em acervos. Pertence a coleções particulares, sendo citado em livros de arte. Na conversa que tivemos aqui no Beiral das Pedras, merecedora de entrevista e gravador, como as do Pasquim (este jornal foi um dos que desmontou o condicionamento da mídia, preocupada com o custo dos espaços), o que fica como promessa.
        Inácio Rodrigues mais do que o café, para começar, e o vinho seco artesanal que tomamos na melhor fase, a da conversa sem limites. Homem profundamente humano e sensível, capaz de transformar pedra em pão. Sua geração foi de autodidatas, gente que atribuía à vida o maior papel formador. Ouvinte, na Belas Artes do Rio, gozou da vantagem de ser voluntário, e não depender de notas, provas e diploma. Começou muito cedo no nordeste, contato com artistas e vivência em ateliês. Já se sentiu arrogante, hoje compreendendo que se relacionar e colaborar é a melhor forma de convivência, para que o artista não se isole de uma maneira até doentia. Cinqüenta e oito anos de existência, bastante ligado à família, vivendo com Antonieta e a filha Marina, a mulher interessada para que ele não perca o auto-respeito, quando alguém lhe pede para juntar e mostrar os seus quadros... para não os valorizar. Inácio sente que a fase atual da Cultura em Atibaia é algo inédito, e que isso não pode parar num mundo de catástrofes. Momento único que, realmente, tende a transformar as pessoas, modificando atitudes pela revisão de paradigmas e a maneira de se comportar.


Foto: Divulgação
Inácio Rodrigues

 

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* Diretor do Museu Olho Latino e Curador do Acervo Olho Latino
Professor da Faculdade de Artes Visuais - CLC - PUC-Campinas.