Destaque do Acervo
Rogério Mourtada nasceu em Campinas, SP (1977). A partir de 1999, estabeleceu contato com artistas importantes para a sua formação, como: Paulo Branco, Egas Francisco, Tomaz Perina, Siron Franco e Alípio Freire.
Concluiu a Faculdade de Artes Visuais depois de ter frequentado, por três anos, Ciências Sociais e Jurídicas, e atuado profissionalmente como músico. Teve contato com o Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, pesquisando e desenvolvendo relações entre este método teatral e o ensino das artes visuais, durante os dois anos que trabalhou, em Campinas, com crianças e adolescentes em situação de extrema vulnerabilidade social.
Foi bolsista de Iniciação Científica na PUC-Campinas, orientado por Paulo Cheida Sans, colaborando com pesquisa sobre a Gravura e seu desenvolvimento naquela cidade.
Desde o início de seu percurso, Rogério Mourtada dedica-se ao desenho e a pesquisas relacionadas com as possibilidades da gravura (especialmente feita com matriz de gesso), articulada com o desenho e a pintura.
Compôs diversas equipes de arte-educação em museus e instituições culturais, como a Bienal de São Paulo (XXVII, 2006), o Instituto Tomie Ohtake (2006), MACC (entre 2001 e 2004) e outros. Tanto no Brasil como em Portugal – onde reside desde 2008, tem elaborado e ministrado cursos com a perspectiva de colaborar com a democratização dos conhecimentos relacionados ao universo das Artes Visuais.
Seus trabalhos compõem acervos de colecionadores e de instituições como “Museu de Arte Contemporânea Olho Latino” (Atibaia-SP), “Museu de Arte Contemporânea de Campinas” (SP-Brasil) e “ISPA – Instituto Universitário” (Lisboa, Portugal).
Elaborou cenários para espetáculos musicais, teatrais e também atua como ilustrador.
Em Portugal, iniciou o mestrado em Desenho na Universidade de Lisboa, e dá continuidade à sua atividade pedagógica e artística: Professor concursado da Escola Secundária Marques de Pombal, em Lisboa, é responsável pela formação e iniciação em Artes Plásticas de jovens que, na sua maioria, são imigrados ou filhos de imigrantes provenientes do Brasil, Índia, China, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Ucrânia, Cuba e outros países, desenvolvendo novas práticas pedagógicas, com uma carga horária de 23 horas semanais.Participa da “MAPA-Associação Cultural”, grupo de artistas plásticos portugueses, com os quais mantém um ateliê de trabalho e ministra cursos.
(...) Criar constitui parte inalienável do métier do artista – inclusive (e às vezes até sobretudo) no campo das técnicas, dos materiais. O trabalho de Rogério Mourtada (...) sustenta-se sobre três pilares, sendo que o último deles diferencia este artista não apenas dos gravadores seus contemporâneos, mas da própria História da gravura desenvolvida na (e a partir da) Europa.
Primeiro, a coerência entre a técnica, o material escolhido, e a temática que desenvolve.
Segundo, matrizes em gesso – material de pouca resistência para a impressão precisa de um mesmo entalhe diversas vezes.
Terceiro (e talvez o mais desconcertante para muitos), a utilização dessas matrizes em sentido diverso daquele tradicionalmente assumido pela gravura – de multiplicar um mesmo trabalho, de reproduzir um mesmo discurso plástico/gráfico fechado.
Rogério transforma as impressões de suas matrizes de gesso em "palavras", "ideogramas", "pictogramas", "signos", "anotações mais ou menos breves" que – utilizadas sempre em novos contextos criados com o auxílio da pintura e do desenho; de pontos, linhas e planos; de massas compactas e transparências – se acoplam, se misturam, se baralham e se reorganizam criando um novo, mantida a visibilidade/identidade original da impressão que permanece identificável, sendo (em) outra coisa.
(...) O tema de Rogério é o mundo da exclusão. Os excluídos pela miséria, ou pelos padrões estabelecidos de normalidade – os diferentes. Mas diferentes também miseráveis. Numa linguagem menos glamurizada: o tema de Rogério são os moradores- de-rua, pivetes, prostitutas-meninas, prostitutas em geral, adolescentes grávidas, vítimas do crime organizado e da polícia, idosos, mendigos, homossexuais, xifópagos, portadores das mais diversas deficiências físicas e mentais, dependentes químicos, índios, negros e mestiços – todos aqueles para os quais os neoliberais garantem não haver riqueza suficiente no mundo. Todos aqueles que, segundo essa doutrina, estão fora dos 30% a cujo bem estar dirigem os esforços de suas políticas econômicas. Os condenados à morte.
Mourtada os conhece bem. Não apenas tanto quanto nós que os vemos (muitas vezes sem enxergar) a cada esquina. Durante cerca de um ano, ele trabalhou ministrando oficinas de artes plásticas para crianças e adolescentes de rua, num projeto desenvolvido por uma organização não-governamental de Campinas (SP).
Ali a regra era a de muitos dos seus alunos desaparecem das oficinas, para em seguida serem encontrados assassinados por grupos de extermínio, por outros pequenos bandidos, ou simplesmente recolhidos em casas correcionais ou prisões. Antes, já fizera uma incursão em experiências com a técnica do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal. Nesse roteiro Mourtada – que abandona a Faculdade de Direito aos 21 anos para se tornar artista plástico – seleciona materiais, técnicas e constrói seu programa de trabalho e linguagem (...)
*texto de Alípio Freire (2003)